terça-feira, 22 de julho de 2014

O Caos Sou Eu - Capítulo I





Capítulo I
Carma

          Devo já alertar que essa será uma leitura um tanto quanto perigosa caro leitor. Tenho o triste carma de levar o caos para a vida das pessoas e principalmente, para a minha. Por isso, me responsabilizo nesse instante por qualquer evento que você possivelmente sofrerá num futuro pouco distante.
          Meu nome é Maurício. Para começar, esse é um nome que já me trouxe para o caos desde muito novo. Do primário ao meu mais novo último emprego, nunca me chamavam pelo nome correto. Era Patrício, Fabrício, Felício, Marcos. Sim, Marcos. Essa mesma pergunta que você se fez agora ronda a minha cabeça por décadas, por quê diabos Marcos? Mas, conforme o tempo passou, me acostumei. Até atendo na rua quando gritam por algum Marcos. Pode me chamar de agouro, de coisa ruim. Não me importo, sei que sou.
           O caos está em toda a parte, a espreita, procurando um momento oportuno para tirar aquilo que mais precioso e escasso é nos dado, tempo e paciência. Porém, creio que ele deva ter guardado boa parte dessa essência desastrosa em mim, mesmo antes de nascer.
             O deus grego Caos, foi a primeira divindade a surgir. Ou seja, desde os primórdios, a confusão faz parte da nossa sociedade, do nosso cotidiano. Em alguns casos, esporadicamente. No meu, incessantemente.
          Nos anos 1960, quando nasci - prematuro - o país estava em pleno crescimento populacional, consequentemente, o leque de opções para nomes era imenso. Não na minha pequena cidade, é claro. Era a minha cidade. Meu primeiro dia de aula foi, como pode-se dizer, caótico.
          Naquela manhã ensolarada do interior, por um acaso, o galo que servia como despertador para a família resolveu morrer. Assim, todos acordamos já com o sol bem alto e quente. Pobre da minha mãe, que teve que correr para cuidar da multidão dos nove filhos. Eu era o do meio, se assim posso dizer, já que nove não tem metade. Era o quinto, para ser preciso. Curiosamente, meus quatro irmãos mais velhos estudavam na mesma turma. Dois em uma, dois em outra. Eu seria o primeiro a começar os estudos sozinho e via nesse fato uma coisa boa. Eles me levaram para o colégio e, contradizendo minha mãe, me largaram como uma presa na jaula dos leões.
            Quando cheguei na escola, atrasado, sentei na mesa mais afastada e quebrada da sala. Então, logo percebi que havia algo de muito inusitado e futuramente péssimo naquela turma. Tinha exatamente vinte crianças, dez meninas e dez meninos. Todas as meninas chamavam-se Maria e todos os meninos chamavam-se João. É claro que tinha as variantes Maria das Graças, Maria das Dores, Maria José, Maria Mariana, Maria Eduarda; assim como João Carlos, João Francisco, João Manoel, entre outros. E eu, Maurício. O único. O isolado. E, por um triste acaso, por causa da maldita ordem alfabética, o último da lista.
           A primeira chamada foi um completo caos. A professora, que após alguns meses sairia de licença médica para cuidar da garganta, tinha toda vez que gritar em meio a berros infantis o nome completo de cada aluno. O recreio, pelo menos para mim, foi um desastre. As crianças da minha turma logo se enturmaram por causa de uma pergunta: por quê você se chama Maria/João? Assim, o pobre Maurício não teve vez.
            Foi assim durante muito tempo. Namorei a Maria Rita, mas descobri que ela me traía com o João Paulo. Tínhamos dez anos, mas mesmo assim doeu da mesma maneira que doía as feridas das minhas inúmeras quedas de bicicleta.
             Nesse meio tempo, meu pai acabou falecendo atingido por um raio enquanto colhia laranjas. Pode parecer bastante sádico e irônico, mas isso me abalou profundamente na época. Isso porque algum tempo depois descobri que era dia de sua folga, mas ele preferiu trabalhar para ganhar dinheiro o suficiente para me dar uma bicicleta nova, pois a minha havia quebrado e meu aniversário estava próximo.
              Pela falta que papai fazia em casa, em todos os sentidos, minha mãe então decidiu que iríamos nos mudar para São Paulo a fim de mudar e melhorar nossas vidas.
               Creio que ela não poderia ter feito escolha pior. Se ela soubesse o que viria, certamente preferiria ter sofrido as penúrias da roça. Ela simplesmente levou o caos em pessoa para a cidade do caos.