sábado, 6 de outubro de 2012

Captiosus - A Revelação




          Depois de ter gritado aquela frase esquisita, o mascarado me pegou pelo colarinho e me puxou até uma mesa que havia sido posta rapidamente pelos serviçais. Era um banquete muito variado, com pães, queijos e leite. Fiquei olhando para tudo aquilo e minha fome só aumentando, já que aquele pão seco que a "mais humana" me deu não era muito grande. Ele viu que eu estava receoso demais para começar a comer, então disse:
          - Manducare potest...
          Não havia entendido muito bem, mas seu movimento com as mãos denunciaram que ele disse que poderia ir em frente, então, devorei praticamente tudo em minutos. Ele começou a falar com a "mais humana", na língua deles, que me era muito familiar, mas não era compreensível. Os dois conversaram muito, mas com falas rápidas e curtas. Ao terminar o diálogo, aquele ser me fitou e por dentro dos buracos profundos dos olhos da máscara, vi os seus se comprimirem, uma feição de agrado. Então, ele e seus servos saíram e me deixaram naquele quarto abafado junto com a "mais humana". Um silêncio tomou conta da saleta. Eu estava sentado na mesa ainda, brincando com as migalhas de pão. Ela estava em uma canto, de braços cruzados e os cabelos sobre a face pálida.
          - Rarana. - disse ela, quebrando o silêncio.
          Olhei pra bem pra ela. O que ela tinha falado? Seria mais uma palavra daquela língua estranha?
          - Meu nome é Rarana.
          Era um nome bem diferente, mas soava como música, e era perfeito para ela.
          - O meu é Flávio.
          - Eu sei.
          Novamente o silêncio.
          - O que ele, o mascarado, disse pra você? - Perguntei, depois de um tempo.
          - Pra que você quer saber?
          - Porque estou preso aqui, e sei que tem haver com o que ele te disse.
          - É justo. - disse, depois de refletir. - É até melhor te contar agora, pois poderemos começar com as aulas.
          - Aulas?
          - É uma longa história.
          " Nós viemos do futuro, mais precisamente do ano 2194. O mundo não está nem um pouco parecido com o que você vive hoje. Em 2059, depois de longos conflitos políticos entre os E.U.A., com a ajuda da Europa, e o Oriente Médio, aliados a China e a Rússia, foi iniciada uma guerra nuclear terrível, que causou muitos danos. Muitas vidas foram perdidas e o grande acúmulo de materiais tóxicos na atmosfera fez com que a fraca camada de ozônio fosse extinta. As doenças, os vírus galácticos e as fortes tempestades solares, além da radiação altíssima dizimaram bilhões de pessoas.
         Depois de muitas mortes, o número de humanos foi cada vez diminuindo mais e mais, até ficar por volta de apenas um milhão de pessoas. Quando não havia mais o que fazer, as autoridades decidiram parar com os conflitos, mas já era tarde demais. Então, elas resolveram construir uma megacidade na amazônia brasileira, que não foi afetada pela guerra, pra agrupar os habitantes que restaram. Essa megacidade, chamada de Tegmine, previa montar uma população homogênea, com a mesma língua e a mesma ideologia. Essa nova nação moraria nas casas que foram construídas sem danificar a floresta. A cidade, quando ficou pronta, recebeu uma cobertura de acrílico temperado e filmado, que protegeria seus habitantes.
          Para essa nova população foi ensinado o latim como língua oficial, para que não houvesse diferenças. As pessoas que foram afetadas pela radiação e pelos vírus galácticos, os immaculata, foi feita uma nova cidade, Sordida, ao lado de Tegmine. As duas cidades são separadas por um forte portão de cobre, para não gerar contágio.
          O mascarado que te raptou se chama, segundo ele, Rebellem. Ele era um immaculata, que conseguiu fugir da cidade de Sordida e se hospedou clandestinamente em Tegmine. Mas, ainda segundo ele, não tem mais nenhum tipo de contaminação. Rebellem não se conforma com a maneira que o nosso mundo está sendo ministrado, diz que é uma maneira de alienação, de segregação, de controle absoluto por parte dos governantes. Por isso, montou uma organização de rebeldes, os Captiosus, para tentar dar um golpe de estado em Tegmine, e criar uma nova forma de governo, mais democrática e humana.
          Você, Flávio, é a nossa peça principal para dar início ao golpe. O prefeito da Tegmine, ou melhor, o Maiori Lacobus, é um descendente seu e, por incrível que possa parecer, tem as mesmas feições que a sua. Vocês dois são parecidíssimos. O plano é fazer de você um tegminiano nato, fluente em latim e com as mesmas características e traços de seu progênito. Rebellem me deu a responsabilidade de lhe dar as aulas, pois sou a única do grupo que fala a língua portuguesa, pois meus avós eram brasileiros. Mas, o verdadeiro plano dele, eu ainda não sei qual é. Talvez ele faça uma troca entre você e Maiori Lacobus."
          Não sabia que reação ter. Parecia estar dentro de um daqueles sonhos mirabolantes. Olhava pra Rarana, mas não sei se a via. Tudo girava ao meu redor, meus olhos estavam fora de órbita. Então, senti o vômito subir pela garganta e coloquei tudo pra fora. Depois, desmaiei.


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