domingo, 1 de julho de 2012

O Último Conde - Parte III








Faz uma semana que não escrevo. Sabia que não me comprometeria. Essa semana, nada acontecera. Confesso que sinto falta de aprender, das aulas, mesmo que com aquele rabugento do senhor Octávio. Temo sofrer alguma consequência no porvir.
Comecei a ler um livro de Shakespeare, O Mercador de Veneza, que apanhei na biblioteca. É bastante interessante e já estou próximo do fim.
Fora isso, mais nada. Apenas hoje, algo no mínimo curioso.
Era início da tarde, já almoçara um tempo antes. Minha mãe me disse:
– Filho, você não quer me ajudar a cuidar da horta?
– Ah, não mãe... Pede para um dos escravos... – disse.
– Eles foram cuidar das plantações de seu pai. Vamos, por favor!
 Fiquei sentido, pois amo demais minha mãe. Fazia tempos que tinha uma atividade com ela. Enchi-me de vontade e fui juntamente com ela para a horta.
Colocamos vestes especiais, como macacões, aventais, luvas e chapeis. Apanhamos pás, cestas e um regador.
Fomos para o jardim. Lá, cuidamos dos vegetais, legumes e flores. Colhemos os que estavam maduros. Enquanto arava a terra, dei uma rápida olhada para mamãe e vi que ela estava muito feliz. Seu rosto tinha uma impressão tão boa que me emocionei. Senti  a necessidade de fazer aquilo mais vezes.
Ficamos ali aproximadamente por duas horas. Colocamos os colhidos dentro da cesta e ela me disse:
– Vamos para casa lavá-los?
– Eu queria ficar um pouco mais se não se importasse...
– Claro que não, meu pequeno botânico! Pode ficar cuidando das plantas.
– Obrigado, mãe.
Ela virou-se, mas antes que pudesse ir, chamei-a:
– Mamãe!
– Sim, Miguel. – disse.
– Te amo.
Um sorriso apareceu em seu rosto sujo de terra. Ela veio até mim, me abraçou e sussurrou nos meus ouvidos:
– Eu também te amo, filho.
Ela levantou-se e foi para casa. Me senti nas nuvens. O amor que sinto por minha mãe é imenso. Fico triste por na sentir o mesmo tanto por meu pai.
Andei um pouco mais pelo jardim. Chegou um momento em que estava perto da senzala dos escravos. Olhei para aquilo, casinhas imundas, precárias, roupas encardidas no varal. Vi uma menininha, um pouco mais nova do que eu, brincando com uma boneca de pano suja.
Sai dali o mais rápido possível, não queria me contagiar.
Retrocedi. Voltei para o mesmo lugar onde eu e minha mãe estávamos. Observei ao redor e percebi um ponto onde começava a floresta muito interessante. Fui até lá. Havia muitas plantas estranhas, decidi cavar ali. Senti que devia.
Cavei, cavei muito. O buraco se abria muito mais. Até que, repentinamente, quanto a abertura estava a mais de um metro de profundidade, encontrei algo branco, ossos. Cavei ainda mais, até que a ossada aparecesse por completo.
Era muito estranho, parecia ser de um ser humano. Pensei que fosse de algum escravo morto, porém o esqueleto era pequeno e o formato do crânio era diferente. Pode ter sido de um animal que existira ali tempos atrás, de um primata defeituoso. Ou até mesmo de um que exista até hoje, mas que desconheço.
Decidi enterrá-lo, deixar que descansasse em paz. Custou para colocar toda aquela terra de volta para o lugar de origem.
Após terminar, fui para casa me lavar. Depois desci para jantar. Meus pais já estavam lá. Sentei-me e comecei a comer.
– Sabia que está comendo o que colheu Miguel? – disse-me mamãe.
– Que legal! – disse. – Por isso que está tão saboroso.
Nós dois rimos. Relembrei do que havia feito naquele dia. Relembrei mais precisamente do momento que vi a senzala e de ter visto aquela pobre menina. Tomado de emoção, disse ao meu pai:
– Papai.
­– O quê? – respondeu, friamente como de hábito.
– Fui à senzala hoje.
Ele interrompeu a janta e me olhou furioso.
– O senhor precisa arrumar aquele lugar! – continuei. – Está horrível de sujo!
– O que foi fazer lá, posso saber? – Te disse que quero você longe dali!
Olhei para minha mãe, esperando que me defendesse. Mas, contrariando minhas expectativas, disse:
– É verdade, Miguel. Lá pode ser um local perigoso!
Decepcionado, abaixei a cabeça e pedi perdão para os dois.
– Não quero mais ouvir dizer que você foi lá novamente! – disse meu pai.
– Tudo bem. Prometo que não faço mais isso. – disse-lhe.
Depois do jantar, fui para meu quarto. Li algumas páginas do livro e, logo após, peguei meu diário e comecei a escrever.
Foi isso. Pode ter sido muito coisa, mas o que ficou marcado foi ver aquela escravinha brincando naquele estado, se divertindo mesmo com o mundo triste que a envolve.



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