quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Captiosus - Tegmine: A Cidade-Mundo






          Passaram algumas semanas e eu já havia aprendido muito da língua e os trejeitos de meu bisneto. De vez em quando, algum Captiosus vinha nos trazer mantimentos. Ficamos trancados durante todo o momento, proibidos de abrir as cortinas das janelas, o que me causava muita curiosidade para saber o que havia além daquelas paredes. Não sabia se estava no meu tempo ou no deles. Essa curiosidade foi só aumentando, até que um dia resolvi exterminá-la. Rarana e o captiosus que nos monitorava estavam dormindo e eu deitado, sem conseguir dormir. Olhava para as cortinas translúcidas e via as luzes da  cidade, mas nada nítido, além de ouvir barulhos sinistros, como aqueles efeitos sonoros de filmes Sci-fi. Aquilo me instigava de uma maneira incontrolada, tanto que essa minha fixação me fez levantar e ir ver o mundo por trás daquelas cortinas.
          Tentando fazer o mínimo de barulho, fui em direção a enorme janela central da sala branca. Apanhei um punhadinho de pano da cortina e comecei a puxar devagar. Feixes de luz começaram a penetrar no vão que começara a se abrir e senti minha pupila encolher. Para minha frustração, metade da visão estava tapada por uma imensa árvore, mas a outra metade já me revelava muita coisa. Intensos raios de luzes, de diversas cores, rasgavam o céu. Percebi então que estava a muitos metros do chão. Olhei ao redor, imensas construções cercadas de mata densa. Esses edifícios se interligavam por corredores transparentes que cruzavam o céu, além de elevadores que se moviam em qualquer direção por meio de cabos suspensos que percorria toda a periferia que a minha visão alcançava. O que mais me chamou atenção em toda a paisagem foi uma torre que estava bem no centro, um edifício enorme, o maior de todos. Era cônico, espelhado e imponente. Sons robóticos surgiam de baixo daquilo tudo, olhei para baixo e vi pequenos veículos andando pra lá e pra cá, sem tocarem o chão. Mas, ao contrário dos filmes de viagem ao futuro, não alcançavam grandes altitudes. Então, notei que não estava em nenhuma cidade do meu tempo. Por mais tecnológicas que são, não chegavam aos pés de tudo aquilo. Logo, estava em Tegmine, a cidade-mundo. Me surpreendi com a quantidade de luz que a cidade produzia. Olhei para o alto e vi que lá em cima tinha uma barreira de acrílico, que encobria toda a cidade, como Rarana havia me dito. Era escura, mas era translúcida, mais que as cortinas pelo menos. Via o céu difuso, estava coberto de nuvens que pareciam negras, mas não sabia exatamente se era, pois o vidro era escuro. Dava para ver o reflexo do outro acrílico, que cobria a cidade que talvez fosse Sordida, a cidade dos infectados, pois a cúpula era menor. 
           Fiquei por vários minutos assistindo aquela ficção científica, até que um barulho estrondoso vindo do quarto onde Rarana e o captiosus estavam dormindo. Então, deixei a cortina e fui correndo ver, e o barulho não cessava, fiquei temeroso pela "mais humana". Chegando lá, notei que se tratava apenas do ronco do captiosus, que era bem gordo. Deitei, para tentar dormir, mas aquele som ensurdecedor não deixava. Só depois de muito custo e alguns socos nele, consegui dormir.
         Fomos acordados pelo mascarado Rebellem, o líder dos captiosus (que havia descobrido que em português significava "perigosos").
           - Vamos, acordem! - disse, em latim. Mas, já conseguia entendê-lo. - Quero ver a quantas anda as aulas!
           - Andam perfeitas. - disse para ele. - Já conheço bastante da língua e consigo dominar os trejeitos de Maiori Lacobus.
           Ele me olhou, e em seus olhos eu vi o espanto.
           - Muito bem, já estamos bem próximos de colocar nosso plano em prática!
           Levantamos e fomos comer algo na cozinha. Pela cortina, via que a luz estava mais clara, era dia, mas parecia ser umas 6 horas da tarde no meu tempo. A cúpula não permitia muita passagem de luz solar, afinal, a camada de ozônio não existia mais. Na mesa, Rebellem, Rarana e eu conversávamos sobre minha rápida aprendizagem e evolução. Depois de muita conversa, refleti bem, e disse para o mascarado:
           -  Rebellem, por que não posso dar uma volta pela cidade?
           - Você ainda não deve conhecê-la ainda! - disse, engasgando com o chá que bebia. - Além do mais, você não está pronto.
           - Sinto que estou bem preparado para pelo menos sair de carro, conhecer a cidade que um dia irei governar.
           Ele olhou bem para Rarana, que deu de ombros. Respirou fundo, pensou e finalmente disse:
            - Tudo bem, vou lhe apresentar um pouco de Tegmine.
           Por um momento, não tive mais medo dele. Terminei rapidamente meu lanche e fui me trocar no closet. Tinha várias peças de roupas, mas todas estranhas. Vesti uma camiseta preta toda estilizada, calça conceitual e sapatos alienigenalizados. Parecia estar em um desfile de moda daqueles bem bizarros. Devia ser moda naquela época. Mesmo vermelho se vergonha, saímos do apartamento e pegamos um elevador para descer. Tinha muitas pessoas no elevador, todas captiosus. Percebi que Rarana ficava me olhando toda hora e sorria quando também a olhava. Acho que ela tinha gostado daquela roupa esquisita. Enquanto saíamos pelo hall do prédio, que por sinal era bem chique, o recepcionista olhava pra mim boquiaberto.
          - Maiori"- exclamou.
          Rebellem olhou para ele e fez sinal de silêncio, o recepcionista em um instante estava calado. Estava tão atônito que entrei no carro flutuante e preto rapidamente, sem olhar para o redor. O carro era enorme e tinha os vidros esfumados. O mascarado sentou-se do meu lado e Rarana no banco da frente ao lado do motorista, que não fazia nada, pois o carro tinha piloto automático.
          A cada curva que o veículo entrava, me sentia em um mundo paralelo. Parecia estar em uma Nova York de uns mil anos a frente. Edifícios imensos, com arquitetura arrojada, ruas bem cuidadas, cheias de plantas. Carros tão tecnológicos que qualquer feira de automóvel dos meus dias jamais sonhara em expôr. Sequer tocavam o chão. Propulsores de ar embaixo deles faziam com que flutuassem, na altura em que desejassem, além disso, eram super inteligentes. As ruas não tinham sinalizações e várias vias eram sobrepostas por pistas invisíveis a olho nu. A única coisa visível eram os postes que enviavam os sinais para os carros. Não existiam casas, apenas prédios, pois eles acomodavam mais pessoas em um pequeno espaço. As pessoas pareciam felizes e todas tinham as roupas tão "conceituais" quanto as minhas. Tudo era tão majestoso e tão bem distribuído que me veio a pergunta: "O que o governo da cidade tem feito de mal, já que é tudo tão perfeito e todos vivem tão bem?", então, perguntei isso a Rebellem.
         - Você não sabe nada ainda, meu querido. - respondeu, com a voz triste. - Essa cidade está cheia de corrupção, de pode concentrado nas mãos de poucas pessoas. Isso é injustiça, o mundo é de todos. Queremos democracia, afinal, o que é bom para uns não é necessariamente bom para outros.
         - Mas, pelo que vejo, as pessoas são felizes aqui.
         - Pura alienação, meu caro. Essas pobres pessoas mal sabem nada o que acontece aqui, muito menos na cidade vizinha.
          Senti o pesar do mascarado depois de falar da cidade de onde veio, Sordida. Será que as pessoas infectadas, os immaculata, tem o mesmo conforto do tegminianos? Mas, uma coisa era certa, não queria jamais visitá-la, não queria me contaminar.
           Sem perceber, enquanto conversávamos, passamos por aquela torre imensa, a mais alta da cidade. Pedi para que voltássemos, pois ela era incrível. Rebellem fez questão de voltar, não sabia o porque de tanto entusiasmo. Quando chegamos, estacionamos na calçada em frente ao enorme edifício. Em sua fachada, palavras em latim que diziam: Governo Mundial da Cidade de Tegmine - A Cidade Mundo.
         - Olhe bem para esse lugar, querido. - disse Rebellem. - Olhe bem para esse lugar cheio de imundícies, pecados e podridão. Aqui será o lugar onde faremos tudo mudar! Um novo futuro chegará para nós!
          O mascarado estava mesmo entusiasmado, até um pouco paranoico. Olhei para o saguão do prédio e vi uma pessoa que ansiava muito conhecer, Maiori Lacobus, meu bisneto. Era realmente muito parecido comigo, queria poder conhecê-lo, saber como fui. Mas antes que pudesse expressar algo, arrancamos em disparada em direção ao apartamento em que estou "hospedado". Olhei para trás e por algum motivo achei que estávamos sendo perseguidos. Quando chegamos no hall no nosso prédio, Rebellem disse furioso para o motorista/segurança que nos guiou no passeio:
          - Da próxima vez, tome mais cuidado!
         Subimos e passamos a tarde estudando, com a companhia do mascarado, que aquela altura já considerava amigável. Então, chegou a noite e ele foi embora. Quando deitei, comecei a ouvir aqueles sons e ver aquelas luzes. Finalmente, havia conhecido Tegmine, a cidade que um dia iria governar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário