sexta-feira, 25 de maio de 2012

A Passageira






          Como de rotina, me arrumei e fui para o ponto de ônibus. Esperei-o tranquilamente, estava no tempo. Cada música que ouvia passava depressa, cada uma com seu peso, algumas despercebidas. Até que, enfim, o ônibus chegou. Como o esperado, entrei, passei na catraca e m sentei no acento ao lado de uma senhora simpática.
          Observava as paisagens que passavam frenéticas pelas janelas, como um quadro vivo ou uma televisão enorme. Ao fundo, a trilha sonora de um indie rock qualquer.
          Pessoas passavam ao meu lado, despercebidas por mim. Sequer as olhava. Até que, em uma determinada parada, enquanto olhava para o céu violeta, percebi uma certa agitação tomou conta entre os passageiros. Virei-me para ver o que acontecera, até te ver dando o dinheiro para o abismado cobrador. Com delicadeza, você passou pela catraca e andou pelo ônibus, acompanhada de olhares, inclusive o meu. Veio andando e, para minha sorte, olhou para mim e sentou-se no acento à frente do meu.
          Fiquei observando seus cabelos lisos e loiros, perfeitamente cuidados. Lembrava insistentemente de seu olhar. O balburdio no ônibus havia cessado, mas dentro de mim ainda ocorria explosões. Me fixava tanto na memória de seu rosto, que ele acabou se desfazendo, aparecendo apenas como espasmos.
          Indignado e furioso com que estava acontecendo, sem pensar, busquei a janela e vi seu rosto no reflexo. Sua face retornou a minha mente, metralhado. Via apenas seu perfil, o que para mim já bastava. Dava para ver seu grande olho cor de mel, maravilhosamente enfeitado com maquiagem escura.
          Com aquela visão, adormeci de olhos abertos. Imaginei você levantando, tropeçando e caindo sobre mim. Sem graça e envergonhada, você pede desculpas. Eu, mais tímido ainda, aceito o pedido. Nós dois ficamos nos olhando, um para os olhos do outro, como se víssemos algo novo. Devagar, eu e você nos aproximamos e, pouco a pouco, nossos lábios também. Então, você me dá o seu telefone e desce do ônibus.
          Eu, no outro dia, ligo pra você. Dois dias depois nos encontramos num cinema qualquer, para ver um filme qualquer. Bobos, conversamos. No fim do dia, feliz, te pedia em namoro. Você, ruborizada, aceitava. Para finalizar aquele dia, um beijo.
          Anos depois, me vi em um altar, olhando você dar pequenos passos em minha direção. Você estava linda, de branco e com flores nas mãos que pareciam extensões de seus dedos. Rapidamente, estávamos na saída da igreja levando uma chuva de arroz.
          De repente, me vi chegando em uma bela casa, você estava me esperando na mesa para jantar. Eu abria o prato e, com um susto, via pequenos sapatinhos de bebê. Você olhava para mim, rindo e chorando ao mesmo tempo.
          Depois, mais rápido ainda, estava rodeado por três crianças, duas meninas e um menino com pouca diferença de idade. Senti que estava mais gordo, e te vi, um pouco mais velha, mas com a mesma beleza.
          Tempos mais tarde, estávamos juntos em uma varanda de uma casa de campo, com as mãos frágeis segurando fotos de nossos filhos crescidos. Acariciava seus cabelos lisos e grisalhos e você alisava meu braço flácido.
          Até que, despertado por um barulho, vi você levantando do acento e apertando o botão de parada solicitada. Seu corpo era perfeito. Quando passou por mim, fiquei esperando que caísse sobre mim, como no sonho. Mas você passou fria, sem sequer olhar pra mim. Respirei fundo e senti seu doce perfume.
          O ônibus foi parando lentamente, eu não olhava para trás. Depois de um tempo agonizando, olhei para a janela, te vi andando sobre a calçada e em poucos segundos virando a esquina e desaparecendo, para sempre. E o ônibus voltou a andar.

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